Prey continua de onde Bioshock parou

elvishawk
8 min readMar 31, 2021
Artes promocionais de Bioshock Infinite e Prey

Only Yu can save the world

Bioshock e Prey (2017) são sucessores espirituais de system shock 2: Uma das pedras fundamentais do gênero/game design dos immersive sim. Esse tipo de jogo segue a filosofia da looking glass studios de criar jogos em primeira pessoa com regras e sistemas muito bem definidos em que a interação desses sistemas entre si junto do jogador vão permitir que um gameplay emergente possa acontecer, momentos que não são totalmente controlado pelos desenvolvedores.

Would you kindly…

O Primeiro Bioshock foi pra muita gente o primeiro contato com uma narrativa que explora meta linguagem em jogos, apesar de por exemplo o Hideo Kojima já ter feito isso antes em metal gear, jogos de tiro em primeira pessoa alcança um publico muito maior que uma serie de stealth. Além dessa acessibilidade, a maneira concisa e direta que o plot twist “would you kindly” questiona o jogador é de deixar qualquer um sem chão. Quando se começa um video game é o lugar comum seguir as setas, objetivos ou indicações no HUD sem se questionar, mas no momento que o Atlas se revela Frank Fontaine e demonstra como não éramos nada além de uma marionete, o próprio jogador toma isso pra si,que ao seguir as indicações e objetivos nos fomos controlados, o efeito é fora da tela do game.

Bioshock Infinite é a sequência real do bioshock (o bioshock 2 é deixado de lado, apesar de seus méritos) que pelos trailers iniciais mostravam que o Ken Levine pretendia fazer algo ainda mais grandioso e realmente fazer a clássica sequência “maior e melhor”, o jogo seria um hub aberto na cidade voadora de Columbia, mas isso é bem diferente do jogo que acabou saindo. Infinite é muito linear, com exceção de back tracking de algumas missões secundárias; Infinite permite pouca expressão do jogador com um gameplay muito próximo de um “Halo/CoD com poderes”, é tudo bem mais simplificado e muito menos dinâmico que o primeiro Bioshock. Acredito que isso aconteceu por causa da ambição do jogo, não era possível criar um jogo com um hub e interatividade maior que o do primeiro Bioshock e com a fidelidade visual do bioshock infinite, pelo menos não um que rodaria no X360 e PS3. Dentro dessa concessão de um jogo mais linear o Ken Levine fez a melhor narrativa possível, Infinite utiliza o a teoria dos muitos mundos pra estabelecer constantes e variáveis para as realidades alternativas que acabam justificando as limitações do jogo.

A falta de agência e resultado das suas escolhas em Bioshock Infinite criam um efeito de impotência. Não importa o Booker jogar cara ou coroa porque sempre vai dar cara (essa é uma constante que não muda nas inúmeras tentativas dos Lutece); Não importa em quem você escolha jogar a bola de baseball, o Booker é impedido de jogar; Não importa qual pingente Booker entrega para Elizabeth… Apesar das inúmeras variáveis, as constantes ainda serão as mesmas. Diferente do primeiro e segundo bioshock que tem finais diferentes, Infinite está em uma narrativa fixa imutável. Mesmo em um mundo de infinitas realidades alternativas os personagens estão em um caminho já predeterminado muito além de suas escolhas.

Booker, Comstock. Both.

[Spoilers Bioshock Infinite] O primeiro aspecto a se analisar do final é como os eventos afetam os personagens e temas dramáticos do bioshock infinite.

Bioshock Infinite é sobre muitas coisas, mas um dos temas mais importantes são os ciclos que os personagens estão presos. O Booker esta preso em um ciclo de violência desde o extermínio de nativos e dessa culpa que acontece o momento do batismo, a Elizabeth está em um ciclo de abuso e busca se libertar disso, o Comstock é um despota em um ciclo de controle/dominio e até os Lutece (que são os personagens mais elusivos do jogo) estão em um ciclo de culpa por ter ajudado o Comstock. É justamente por causa desses ciclos que não importa as variáveis das realidades alternativas, os ciclos dos personagens ainda vão se desdobrar uns nos outros e manter as constantes em milhões e milhões de realidades.

Entrando no final em si: A Elizabeth depois de recuperar os poderes (e virar o Dr Manhattan) revela para o Booker como são as infinitas realidades paralelas, fica claro como tudo esta fadado a se repetir e a única forma da Elizabeth se libertar é quebrando o ciclo do Booker porque, como é revelado no grande plot twist de bioshock infinite, Booker DeWit e Zachary Hale Comstock são a mesma pessoa. Tanto o captor quanto o libertador da Elizabeth são a mesma pessoa.

Esse final tem um aspecto bem mais abstrato que acho que não é considerado tanto, da forma que vejo as Elizabeth não matam “um Booker”, me parece que em todas as realidades elas chegam a esse ponto de revelar para o Booker que ele é o Comstock e então elas afogam ele antes dele escolher se tornar Comstock ou continuar como Booker. Isso gera um paradoxo porque sem o Comstock Columbia nunca vai existir, o Booker deixando de existir então a Elizabeth nunca vai nascer e isso se perpetua por todas as realidades alternativas em que chegam nesse momento do afogamento que por sua vez pra chegar nesse momento os personagens precisam estar presos aos seus ciclos e se intercalando uns nos outros.

Apesar desse tom fatalista e a total obliteração dos personagens, esse paradoxo criado pela Elizabeth pode ter gerado algo positivo porque se o paradoxo acaba com todas as realidades em que ela era aprisionada pelo Comstock e resgatada pelo Booker, a cena “pós credito” do Booker ouvindo a voz da bebê Elizabeth deixa um tom mais esperançoso de que ela vai poder ser livre em alguma realidade onde esses ciclos nunca aconteceram.

Um farol, um homem e uma cidade.

Outro aspecto do final de Infinite é o olhar por trás da cortina, o comentário metalinguístico em cima da serie Bioshock. Esse final do “Um Farol,Um Homem e Uma Cidade” da a formula do que precisa pra se ter um bioshock é um homem que vai chegar através do farol para a cidade impossível mas que no final descobre que seu passado é intrínseco a tudo que esta acontecendo. Acho que mostrar os infinitos faróis (que são iguais o de rapture) passa a ideia de que até o primeiro bioshock podia ter sido diferente, de infinitas versões do jogo que nunca aconteceram (assim como na cena do batismo aparece a Elizabeth dos trailer de antes do lançamento, reconhecendo como se fosse uma das infinitas possibilidades de como as coisas poderiam ter sido) [Insira aqui uma comparação com The End of Evangelion].

Dado o desenvolvimento difícil do Bioshock Infinite achei que demoraria muito pra ter um novo bioshock e realmente não tivemos um bioshock na 8ª geração, ken levine terminou a franquia e está fazendo o jogo que é um “lego narrativo” em algum canto da take two, e somente em 2018 que a take two criou o estúdio Cloud Chamber pra fazer novos jogos de Bioshock, um novo Bioshock não deve sair antes de 2023. Porém em 2017, depois da Arkane fazer o seu sucessor espiritual de Thief Dishonored, criaram Prey: Um sucessor espiritual de system shock 2 que de muitas formas parece ser a real continuação do bioshock.

The mind game

Prey é um jogo que parece que não devia existir considerando como jogos triple A são desnecessariamente “streamlined” para ser o mais óbvio e direto até onde não da mais. Prey é o contrario disso: Tem tantos poderes, armas, habilidades e sistemas que é até difícil manter tudo em mente enquanto tenta resolver as situações de combate, exploração e mistério/suspense que fazem a estação espacial de Prey Talos I ser um dos cenários mais complexos e instigantes que se teve recentemente. É um lugar cheio de segredos, passagens secretas e com todos os sistemas como tubulação, computadores, redes, cabos e vários objetos manipuláveis funcionando de maneira consistente por todo o jogo.

Além dessa comparação de ser um sucessor espiritual de system shock 2 Prey também questiona muito o jogador, criando camadas de reviravoltas pra te deixar pensando por horas. [Spoilers de Prey, caso não jogou pule] Os primeiros 30 minutos é basicamente um tutorial em uma simulação tipo show de truman que você escapa quebrando o vidro. Essa simulação do apartamento da Morgan é um resumo do jogo porque já tem os dois símbolos que vão estar por todo o jogo: Espelhos e simulações. Tem segredos e passagens que se precisa quebrar espelhos pra descobrir, isso vai passar a desconfiança de que nem tudo é o que parece durante toda a exploração da Talos I.

Durante a Exploração da Talos I varias escolhas e situações são apresentadas ao jogador bem na formula de immersive sim, parece ser uma evolução das decisões morais de salvar ou não as little sister no bioshock 1 e uma evolução das escolhas do Dishonored, com situações mais complexas, respostas e interações com mais nuances dos personagens. Tudo isso funciona muito bem porque eu me importei bastante com as situações e personagens de Prey e considerei cada escolha.

Então entra o plot twist de Prey: Na verdade todo o jogo foi uma simulação pra testar a empatia de um typhon com as memórias da Morgan, sendo apresentado com constantes escolhas e situações que vão ser avaliadas depois dos créditos pelo Alex Yu. Talos I é uma simulação dos eventos antes da invasão na terra e o protagonista é uma tentativa de criar um meio typhon meio humano que pode ser a conexão entre humanidade e typhons. Isso já é um tema muito interessante que remete por exemplo as projeções com memórias humanas de Solaris (além de outras historias de um alien/robô tentando ser humano). É um plot twist que traz uma perspectiva totalmente diferente de tudo que você fez porque existe um aspecto metalinguístico do jogo inteiro ser um teste de empatia, o teste acaba servindo para o jogador também, de empatizar com historias, situações e personagens dentro de um software. Por isso até coisas como rejogar o jogo pra conseguir troféu ou fazer todos os finais ganham um contexto in game porque geralmente isso é feito somente por causa do artifício dos video games mas com o contexto de ser uma simulação isso é você falhando em empatizar e tratando tudo como software (o que prey não deixa de ser!). Quando o Alex olha e pergunta se realmente conseguimos ver eles é justamente o jogo questionando se você consegue passar a desconexão inerente de estar interagindo com software e empatizar com os personagens.

Prey se tornou meu jogo favorito, desde que terminei eu penso constantemente no mundo desse jogo (por algum motivo fiz essa montagem)

Não acredito que gastei 30 minutos fazendo isso

PS: Não comentei da DLC Bioshock Infinite Burial at Sea pra não confundir muito porque acho que nem o ken levine entendeu o que ele fez ali

PS²: Eu odeio do fundo da alma a limitação de poder carregar só duas armas no bioshock infinite, o mal que call of duty causou é incomensurável.

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